Arcano 3 - A Imperatriz

2.8.08

O Louco

Há muitas explicações para o nome do Arcano 0 ser O Louco. A que mais me convence é a que associa O Louco ao Bobo da Corte. Como a maior parte da simbologia do Tarot está relacionada à vida castelar da Idade Média européia, esse personagem não poderia faltar. E quem era o Bobo da Corte?

O Bobo da Corte era uma pessoa que entretia o rei, a rainha e toda a corte, especialmente durante os banquetes (que não eram raros em épocas medievais), promovendo divertimento aos comensais em forma de dança, poesia, brincadeiras, jogos, mímicas, imitações... O Bobo da Corte era, enfim, um comunicador: um trovador, um menestrel, o bardo dos celtas.

Pessoas muito inteligentes, sagazes e cultas, os Bobos conheciam a arte da ironia e, de modo criativo, falavam as verdades em forma de anedotas, "causos", estórias, parábolas e, assim, mostravam as dubiedades e as incongruências da realeza. Pode-se dizer, então, que os Bobos da Corte eram a consciência da nobreza, sobretudo porque circulavam entre os vassalos - pessoas do povo, os plebeus - e sabiam o que se passava no reino, do lado de fora do castelo, tudo a partir do ponto de vista da gente comum.

Os bardos foram os principais responsáveis pela transmissão oral de sua cultura, especialmente da irlandesa. Eles driblavam as autoridades clericais cristãs, que queriam extinguir o conhecimento, as crenças, as práticas e os rituais pagãos, para impor a religião católica.

Os bardos (ou trovadores, ou menestréis) eram andarilhos solitários que iam de povoado em povoado levando ensinamentos em forma de divertimento. Nada traziam consigo, a não ser a roupa do corpo e, quando muito, algum farnel e seu instrumento musical preso aos ombros.

Assim é O Louco: um andarilho que carrega consigo apenas aquilo de que necessita minimamente. Em sua caminhada, expõe-se aos mais variados perigos e, porque corre riscos, vive grandes aventuras.

O Louco não tem raízes e, por isso, não se fixa em lugar algum. Sabe que tudo é passageiro e vive um dia de cada vez. Por isso, para muitos, ele não é confiável. Há pessoas que necessitam planejar, e ocupam-se antecipadamente de coisas que nem sabem se vão acontecer. Já O Louco vive dos imprevistos e confia, imaginem!, no imponderável. Isso deixa muita gente enlouquecida. Como, afinal, atreve-se ele a não dedicar momentos preciosos de sua vida vivendo uma vida que ainda não veio?

Na fábula da formiga e da cigarra, O Louco é a cigarra. Felizmente! É possível imaginar um mundo cheio de formigas nojentas, que andam por todo tipo de sujeira e ajuntam migalhas imundas e restos putrefatos em quantidade muito maior do que jamais poderão consumir?!

As cigarras sabem viver. Vivem intensamente sua curta vida. Cantam até explodir de tanto cantar. Nascem e morrem porque precisam dar sua mensagem!

Pode-se dizer que O Louco é a expressão da liberdade. Solto no mundo, sem nada que o prenda a coisa alguma - nem a quem quer que seja - O Louco habita em todos nós, ainda que, em alguns casos, de modo inconsciente. É importante que todos cuidemos desse Louco interior, que sabe dizer a hora de levantar acampamento e seguir viagem, que sabe viver uma vida simples, que se diverte e diverte os outros.

É nossa porção Louco, por exempo, que tira férias, que se desliga do relógio em busca do descanso e da higiene mental após um período, geralmente anual, de labuta diária. É O Louco que se arrisca em novas empreitadas quando o marasmo toma conta do cotidiano.

O Louco não teme o amanhã. Sabe que suas necessidades serão supridas, sempre. Por isso, não acumula mais riquezas do aquilo que precisa. Embora não seja exatemente perdulário, certamente não é pão-duro. Assim, O Louco é rico, porque tem tudo do que necessita e é feliz com o que tem.

O Louco não dá a mínima para as convenções e para os dogmas. Ele vive segundo aquilo em que acredita. Logicamente, isso incomoda muita gente. Para uns, ele é corajoso, para outros, debochado. Sua irreverência pode ser ofensiva, algumas vezes, ou divertida, outras tantas. Se por algusn é admirado - e até invejado - é por outros desprezado.

O Louco é polêmico, controverso, amado e odiado, a um só tempo. Por quê? Porque ele é o espelho em que vemos refletida a nossa verdade. Ele mostra aquilo que nos incomoda, revela coisas que precisamos saber, faz com que nos mobilizemos. Algumas vezes, O Louco logra êxito, levando-nos a mudar nossa atitude. Isso nem sempre é fácil. Aliás, na maioria das vezes é bem difícil. É isso, O Louco faz a diferença. Sozinho, mesmo.

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